Isto não é uma bactéria: alguns mal-entendidos comuns sobre vírus

A informação é o ouro da era moderna. Todos estão sempre à procura da verdade - pesquisando no Google qualquer pergunta que surge numa conversa. Esta busca constante enfatiza a necessidade de diferenciar a verdade do mito. Um dos temas que tem captado a atenção das pessoas ultimamente é a ocorrência de surtos como o Ébola em África (2014-16) ou a pandemia de gripe suína em 2009. Assim, vamos esclarecer alguns equívocos comuns, porque, na realidade, bactérias e vírus são muito diferentes.
Primeiro, para entender melhor ambos, vamos entrar no mundo microscópico e falar sobre tamanho. Os vírus são menores (10 a 100 vezes) do que as bactérias, que são 10 a 100 vezes menores que o diâmetro de um fio de cabelo. As bactérias são organismos microscópicos capazes de viver e replicar-se independentemente e são consideradas as primeiras formas de vida na Terra. Os vírus, cientificamente, não são considerados vivos, pois todos eles carecem de qualquer forma de energia, metabolismo e capacidade de replicar ou evoluir sem infectar uma célula. Então, o que são eles? São um complexo inanimado de proteínas (geralmente dispostas como um escudo) com informação genética (DNA ou RNA) no interior. Para se multiplicar, os vírus precisam infectar uma célula, que pode ser uma célula vegetal, uma célula humana - ou até mesmo uma bactéria.
Não importa o tipo de célula, uma infecção viral segue estas etapas gerais:
- apego e entrada na celula;
- produção das proteínas necessárias;
- replicação do DNA ou RNA;
- montagem dos componentes recém-produzidos;
- e libertação de novos vírus no ambiente imediato ou em outra célula.
Às vezes, o tempo entre a produção e a montagem dos componentes é muito longo, podendo durar anos, então uma pessoa pode carregar um vírus, mas não apresentar quaisquer sinais de doença. Neste caso, os vírus entram numa fase de dormência. Isto acontece, por exemplo, com os vírus que causam a SIDA (vírus da imunodeficiência humana), a varicela (vírus varicela-zoster) ou o herpes labial (vírus herpes simplex).
Um dos mitos mais comuns sobre vírus é que infeções virais, como uma constipação ou gripe, podem ser tratadas com antibióticos. No entanto, os antibióticos visam apenas bactérias e, portanto, são ineficazes na eliminação de vírus. De facto, usar antibióticos quando se tem uma infeção viral pode perturbar a sua comunidade natural de bactérias e contribuir para a evolução da resistência aos antibióticos, uma grande preocupação médica. Atualmente, as únicas soluções disponíveis contra vírus são: vacinas que melhoram a imunidade a uma determinada doença (por exemplo, a vacina contra o vírus do papiloma humano, que causa o cancro do colo do útero); ou antivirais que ajudam a tratar infeções humanas impedindo o vírus de se espalhar para novas células (por exemplo, aciclovir para herpes labial ou varicela).
Outro mito sobre os vírus é a sua reputação como patogénicos. Sim, os vírus podem causar doenças, mas alguns vírus são, na verdade, valiosos para o seu hospedeiro e podem viver numa relação simbiótica com ele. A investigação mostrou que alguns vírus diminuem o número de tumores em hamsters, enquanto outros aumentam a sobrevivência dos ovos de vespas parasíticas em larvas de insetos. Além disso, em humanos, sabe-se que os vírus desempenharam um papel importante na evolução da placenta e que 8% do nosso genoma é de origem viral. Finalmente, alguns vírus, especialmente aqueles que infetam bactérias (chamados bacteriófagos), estão atualmente a ser considerados como uma opção terapêutica para controlar infeções bacterianas, como infeções de ouvido ou da pele humana, ou para atacar células cancerígenas.
É interessante perceber a importância de estudar estes microrganismos, pois pode fornecer evidências sobre o nosso ambiente, a nossa história e a própria vida. Recentemente, alguns cientistas descobriram e ressuscitaram do gelo um novo tipo de vírus que viveu há 30.000 anos. Isto significa que o derretimento do gelo pode desencadear o retorno de outros vírus antigos com potenciais vestígios do nosso passado ou com potenciais riscos para a saúde humana. Independentemente do que está por vir, temos de continuar a procurar a verdade e trabalhar para abolir mitos porque, como disse Kofi Annan, “conhecimento é poder”. É crucial que acompanhemos o nosso conhecimento à medida que desenvolvemos e melhoramos as nossas capacidades tecnológicas e a compreensão do mundo.
Sobre a autora: Natacha Ogando

Natacha está atualmente a fazer o seu doutoramento através do projeto ANTIVIRAIS (uma Rede Europeia de Formação Marie Sklodowska Curie) no Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda. Está a tentar identificar inibidores de amplo espectro do coronavírus e compreender o seu modo de ação. Gosta de jogar futebol e brincar com os amigos. Considera-se uma cidadã do mundo e está sempre a planear novas aventuras para conhecer novas culturas e novas pessoas.
Fontes:
PNAS
Retrovírus impulsionam o desenvolvimento da placenta em mamíferos (2012)
Parente distante de trinta mil anos de vírus gigantes icosaédricos de DNA com morfologia de pandoravírus (2014)
Nature Reviews Microbiology
Os bons vírus: simbioses mutualísticas virais (2011)
Um século de bacteriófagos: passado, presente e futuro (2015)
Outros
Impacto e eficácia da vacina quadrivalente contra o vírus do papiloma humano: uma revisão sistemática de 10 anos de experiência no mundo real (2016)
Aciclovir. Uma reavaliação da sua atividade antiviral, propriedades farmacocinéticas e eficácia terapêutica (1994)
Inibição da oncogenicidade do adenovírus em hamsters pelo DNA do vírus adeno-associado (1981)
Vírus em uma vespa parasitoide: supressão da resposta imunitária celular no hospedeiro da parasitoide (1981)
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